Conta a história que “perder o fio da meada” é uma expressão que surgiu na Revolução Industrial, quando as máquinas começaram a ser usadas para confecção de tecidos, mas ainda com a ajuda da mão humana. Um trabalho meticuloso que exigia concentração dos operários: meada era o suporte onde ficavam os rolos de tecidos e a função de cada operário era pegar a ponta do fio e colocar na posição correta para a máquina puxar e começar a fabricar o tecido. Um pensamento mais distraído e – tcharam! – perdia-se o fio da meada.
Nenhuma distração no caminho fez Inês Ivone Henz perder o fio da meada. Desde muito pequena, ela se concentrou em fazer a trama da vida ser bem diferente do que o curso natural das coisas apresentava. A roça parecia destino certo para ela e para os oito irmãos. Filha de pequenos agricultores, gaúcha de nascimento, mas paranaense de criação, Inês foi aquela criança que viveu sempre muito coletivamente, numa família numerosa. É mesmo difícil enxergar individualidades num contexto de casa cheia e muito trabalho. Parecia que o futuro já estava desenhado: seguindo o que a realidade ditava, Inês ficaria na área rural, tocando o sítio no interior de Toledo.
Não para quem já mostrava interesse pelo universo criativo desde muito cedo. Na escola, a preferência pela educação artística dava sinais de que o rumo poderia ser outro. Em casa, as primeiras brincadeiras também envolviam criação: observando a mãe costurar roupas para os filhos em “lotes”, ela foi compreendendo a beleza de cortar um tecido aqui, juntar com outro ali e emoldurar o corpo de alguém com uma peça. Era ela quem costurava à mão as roupinhas de boneca, coletando retalhos na vizinhança para ter variedade de tecidos. Naquela época, Inês ainda não tinha consciência, mas já estava fazendo “moulage”, técnica em que os moldes são feitos direto no manequim.
E a primeira grande travessura da infância foi se aventurando numa máquina de costura à manivela, aos 9 anos.
“A gente só tinha uma roupa ‘domingueira’ para ir à missa uma vez por mês. E eu cortei a única calça que meu irmão tinha porque ela tinha um furinho no joelho, então no meu entendimento fazia sentido cortar. Fiz uma bermuda pra ele e com o tecido que restou fiz uma saia para minha irmã mais nova. Minha mãe não gostava que eu mexesse na máquina de costura dela, então fiz isso enquanto meus pais estavam na roça. Quando chegaram, mostrei o resultado para minha mãe e ela nem conseguiu brigar comigo, porque ficou bonito”, relembra orgulhosa.
A brincadeira virou negócio
A máquina que deu origem à primeira peça feita por Inês hoje é a relíquia exposta com orgulho na sede da empresa de moda festa liderada por ela, a , que fica em Toledo, Oeste do Paraná. Mas transformar a brincadeira de criança em profissão exigiu abnegação. De novo, nenhuma distração fez Inês perder o fio da meada.
Enquanto a diversão adolescente era o foco dos demais, ela amadurecia a passos largos: aos 12 anos saiu de casa para trabalhar como babá. Aos 15, se despediu da área rural e conseguiu o primeiro emprego na cidade, um comércio de secos e molhados que tinha de tudo um pouco: material escolar, calçados e – para a felicidade dela – tecidos e confecções. Foi a brecha que precisava para aperfeiçoar o dom. “Eu vendia o tecido para as pessoas e já oferecia para costurar e entregar a roupa pronta. Eu ficava atrás das prateleiras cuidando para ver se tinha cliente e quando não tinha, ficava costurando. Sempre fui muito observadora. Tudo que eu via, observava com detalhes. Prestava atenção em como as roupas vestiam no corpo das pessoas, identificava quando a peça não tinha um bom corte. Se eu via algum problema, já dava um jeito de arrumar e ficava bom!”, conta.
Aos 18, começou a trabalhar numa loja de jeans e camisas, experiência que deu um novo arremate na vida profissional.
“Eu via que as calças jeans femininas não vestiam tão bem nas mulheres. Fui conversar com a dona da confecção para dizer que poderia melhorar. E era um alfaiate que fazia a modelagem. Ele não gostou muito e falou ‘então passa para ela fazer se ela acha que pode arrumar’. E eu fiz e consegui. Depois de anos esse mesmo alfaiate se tornou meu funcionário”, relembra Inês, que em pouco tempo assumiu a modelagem e o corte nessa mesma fábrica.
Os primeiros passos empreendedores
Nessa altura, Inês já havia percebido que para ter a autonomia de criação que desejava, precisaria dar alguns passos sozinha. Por isso, aos 19 anos, montou a primeira sala de costura. “Era numa pecinha onde eu morava, um cômodo com quarto, sala, cozinha e essa minha sala de costura. Para eu entrar em casa, abria a porta e abria a tampa da máquina de costura e aí trancava a porta, de tão pequenininha que era”, relembra, com uma risadinha nostálgica no rosto.
Dali em diante, esse espírito de fazer e acontecer só cresceu dentro e fora dela. Vida pessoal e profissional foram se costurando: casou aos 20 anos, mesma idade em que surgiu a primeira oportunidade de um negócio maior. “Compramos a alfaiataria do tio do meu marido. Em 10 de janeiro de 1984 foi fundada a Alfaiataria Modelo”.
De Modelo para Maximus
Além da alfaiataria, a moda ocupou ainda outro espaço na vida de Inês, quando criou a boutique Maximus Modas, focada em roupas executivas. Conciliar os dois negócios com a fase intensa da maternidade exigiu malabarismo e gerou decisões importantes. “Quando meu filho mais novo estava com um ano e meio, fechei a boutique porque a locação na alfaiataria me consumia bastante. Atelier dava mais retorno e exigia menos viagens, então optei por vender a boutique, mas não vendi a marca. Então a marca se tornou ‘Maximus Criações Modelo’, uni os nomes nessa transição. Nessa época, comprei a sala onde hoje é a Maximus Tecidos e mudei o atelier”.
Foi então que a cidade viu nascer uma empresa de moda festa que em pouco tempo levaria o nome de Toledo para longe. Num cenário quase inexplorado, com poucas lojas focadas nesse nicho, Inês abraçou o pioneirismo e embarcou no sonho de unir tudo que já havia desenhado até então: a Maximus Atelier nasceu e cresceu muito rápido. Em poucos anos, a empresa já tinha unidades em outras cidades da região, das quais hoje Cascavel e Foz do Iguaçu ainda fazem parte.
Mãe, estilista, empresária, estudante: tudo ao mesmo tempo aqui e agora
Apesar da agricultura não ter sido o destino de Inês, todo o aprendizado da vida no sítio modelou a personalidade empreendedora dela. O espírito de trabalho incansável e feito com excelência foi herdado dos pais agricultores. “Só mesmo sendo muito empreendedor para fazer três alqueires de terra sustentarem nove filhos”. Essa inspiração foi canalizada para a área da moda de um jeito muito focado, determinado e certeiro.
Mesmo envolvida nos cuidados com os filhos pequenos e sem deixar de se dedicar à família, Inês sempre foi o tipo de empresária que compreende que o trabalho não termina quando acaba o expediente. Depois de ter trabalhado o dia inteiro nas lojas, quando chegava à noite, depois de jantar e colocar os filhos para dormir, Inês voltava para a lida, agora para uma parte do trabalho que exigia uma dedicação mais “solitária”: “ficava mais algumas horas modelando, planejando, conferindo o financeiro e o administrativo”.
Para abastecer a alma criativa ao mesmo tempo em que se envolvia com toda burocracia, Inês sempre diversificou a fonte de conhecimentos. Para ela, abrir a mente e aprender de tudo um pouco, de uma maneira mais livre, foi muito mais benéfico e produtivo do que seguir o padrão de frequentar uma sala de aula. “Sempre fui de muita leitura. E leio sobre todos os assuntos porque entendo que isso faz você expandir a mente. Participei de muitas palestras, cursos, feiras e exposições. Viajava para grandes eventos de moda, busquei inspirações fora do país. E, para além da área de moda, sempre busquei conhecimento para desempenhar bem meu papel de empresária. Marketing, organização financeira, administrativa, contábil, jurídica. Às vezes, o curso era direcionado só para advogados, mas eu estava lá inscrita”.
Inspiração de lá adaptada à cultura daqui
Os italianos sempre foram a inspiração de Inês para confeccionar as peças masculinas e os libaneses estão em primeiro lugar na lista de referências dela para a criação dos vestidos de moda festa.
Para se inspirar, o processo prevê um salto para fora e um mergulho para dentro. Isso porque todo conceito que absorve em desfiles nacionais e internacionais requer uma cuidadosa releitura para se transformar em peças realmente condizentes com a cultura local. “Quando voltava das viagens, refletia: como vou entregar isso aqui? Não é um simples ‘copia e cola’. Aqui eu observava e ouvia o nosso público. De que forma eu poderia usar essas inspirações em peças que fossem aceitas localmente? Tem que saber adaptar aos costumes e preferências locais. Naquele tempo não tinha internet, mas eu tinha assinatura de colunas sociais de todos os jornais da região e observava para saber: como as pessoas da nossa região se vestem? Como se comportam? Do que gostam?”.
E assim nasceram coleções e mais coleções. São milhares de peças que acompanharam diferentes fases das vidas dos clientes. Algumas delas com histórias marcantes.
“Lembro bem do meu primeiro vestido de noiva que fiz para locação porque ele foi fora do normal. Na época só se usava vestido de noiva branco e longo e esse era lavanda e midi. Era muito diferente e está guardadinho até hoje no meu acervo”, rememora Inês, que faz questão de ter suas relíquias minuciosamente preservadas numa espécie de museu pessoal: uma sala da Maximus Toledo dedicada só para essas obras de arte em forma de roupas de festa.
Entre os escolhidos para esse acervo está também um vestido-conceito criado para gerar conscientização sobre a preservação do meio ambiente. “Eu quis remeter à preservação do rio Toledo porque existia uma polêmica envolvendo poluição e eu via a necessidade de usar a moda para gerar essa conscientização. Fiz um vestido de estopa e elementos como passarinhos, árvores, sementes, peixes e água. Era como eu imaginava que deveria ser o rio Toledo: azulzinho, limpo. E apresentei numa das primeiras feiras de Toledo. É uma peça que tem cerca de 20 anos e que eu cuido muito para não deteriorar”.
Disruptiva e inspiradora
“Essa menina vai dar trabalho”. Era o que os pais de Inês ouviam da vizinhança quando a garotinha dizia que não queria trabalhar na roça, queria sair de casa, estudar e ser independente. Décadas depois, ela pode dizer que, sim, deu muito trabalho: gerou e gera dezenas de empregos. “Não é que você vai transgredir leis, mas às vezes você tem que ultrapassar ‘regras’, quebrar padrões. Porque se você pega as regras dos outros e as transforma em ‘auto regras’, acaba se limitando. Eu não aceitava esse tipo de limitação”.
E essa disrupção seguiu. Inês quebrou o padrão ao não aceitar o que o destino reservava para ela. Quebrou o padrão ao empreender como mulher num cenário e numa época de empreendedorismo muito masculino. E quebrou o padrão ao ir para a faculdade mais tarde, para estudar algo fora do óbvio para alguém da área da moda. “Quando me divorciei em 2005, fui para a faculdade fazer parte da primeira turma de Psicologia da PUC Toledo. Não queria um curso profissionalizante porque eu já tinha a profissão que eu amo e pensei: por que não agregar uma outra área? A Psicologia estuda o comportamento humano, as relações, e onde mais você lida com pessoas se não no trabalho, na empresa? Então consigo compreender muito melhor o meu colaborador. Para fazer seleção de equipe também ajuda. Aplico muito no meu dia a dia. Foi muito bom! Inclusive, essa iniciativa já inspirou funcionários nossos a estudarem também. É muito legal ver que você está inspirando pessoas de forma positiva”, relata.
Esse jeito de se envolver em todas as etapas do negócio, ser criteriosa na tomada de decisões e exigente na qualidade das entregas, rascunhou no imaginário das pessoas a imagem de uma mulher muito firme. Característica que ela não só não se incomoda, como entende ser muito necessária.
“Quem quer agradar a todos não toma decisões assertivas e quando você precisa tomar uma decisão, às vezes desagrada. A minha preocupação é ser justa, leal e correta. E para isso às vezes é preciso ser firme, sim”.
“Nosso potencial está dentro de nós”
Imagine um refúgio criativo. Um cantinho de introspecção e criação. Um ambiente silencioso de interferências externas, mas cheio de melódicas referências. Na privacidade de casa, Inês tem um mini atelier. É nesse espaço que ela se reserva quando está perto dos lançamentos. “Se você está sob estresse, a parte criativa zera. Então quando meu objetivo é criar, fico dois, três dias reservada, preparo tudo e depois flui. Fazer isso no dia a dia de atendimento não funciona”, relata Inês, que apesar de planejar as coleções dessa maneira mais reflexiva e solitária, é muito ativa e coletiva na rotina das lojas: toma conta dos três ateliers em cidades diferentes, atende com horário agendado, cuida da distribuição de produtos, faz as provas das peças, organiza treinamentos, lidera seleção e contratação de colaboradores. “Eu diminuí muito, mas ainda mantenho um ritmo de trabalho de 10, 12 horas por dia. Não canso de trabalhar”.
Com o tempo, e vendo de perto o engajamento da mãe, os filhos também se envolveram muito nos negócios e hoje estão bem inseridos na condução das empresas, especialmente no caso da Maximus Tecidos, loja física de Toledo e e-commerce reconhecido como a maior loja online de tecidos do Brasil.
Entre tantos reconhecimentos, o que mais gratifica e toca o coração daquela menina sonhadora do interior, é olhar em retrospectiva e perceber que além de não ter perdido o fio da própria meada, também ajudou muita gente a encontrar o próprio fio. “Enxergo a Maximus como uma família que atende outras famílias. Já fiz vestido de batismo, primeira comunhão, debutante, casamento de uma mesma cliente e depois já fiz das filhas dessa pessoa até o casamento. Sou muito grata pelo reconhecimento que temos hoje e pela forma que nos relacionamos com as pessoas. Tenho essa honra de ver funcionários que já montaram suas próprias empresas, que iniciaram a vida profissional comigo e depois foram crescendo. Minha satisfação é esta: ver que faço algo útil para a comunidade”.
Para os jovens sonhadores, que miram alto, mas ainda estão receosos em tirar os pés do chão, ela incentiva:
“Primeiro, acreditem em si. Nosso potencial está dentro de nós. Não adianta olhar demais para o outro, para o mercado, e não olhar para dentro de você mesmo. E busque conhecimento diversificado, abra a mente, e se entregue, de fato, colocando muito amor em tudo que é feito. Não faça só por retorno financeiro, mas porque aquilo te realiza. Você precisa se apaixonar todos os dias pelo que faz”.
A reportagem com a estilista e empresária Inês Maximus é a primeira de quatro histórias inspiradoras que você vai conferir no Página Laranjas durante uma série especial em homenagem ao mês das mulheres. Até o fim de março, os textos do nosso blog serão focados nessas figuras tão emblemáticas do Oeste Paranaense: mulheres talentosas, corajosas e autênticas que fazem nossa região ser conhecida Brasil afora. Fique de olho nas nossas publicações porque nas próximas semanas teremos mais três perfis com mulheres de diferentes segmentos e personalidades: Wanda Riedi, Donna Clarice e Nereide dos Anjos.