NEREIDE DOS ANJOS: acolhimento que dá vida à D’Angelis

mulher elegante posa para foto

Era uma tarde quente de quinta-feira e às 16h a rotina dela na loja estava apenas começando. A equipe sabe que às quintas, Nereide só chega na empresa quase quando o expediente comercial está para se encerrar. É que nesse dia da semana, especificamente, há um compromisso inegociável na agenda: o look de empresária se transforma em vestes litúrgicas para Nereide servir à comunidade como ministra da eucaristia na Catedral Nossa Senhora Aparecida, em Cascavel. Uma relação de fé alimentada rotineiramente por quem encontrou paz na vida espiritual e faz questão de vivenciá-la com profundidade.

Só de vê-la descendo as escadas imponentes da megaloja, já dava para perceber que se tratava realmente de alguém muito espiritualizada. Tudo naquele ambiente é grande, expansivo, sofisticado. Num primeiro momento, impressiona e intimida. Mas é aí que a figura acolhedora da empresária quebra a barreira da formalidade, com sorriso largo, braços estendidos, com a cachorrinha Luna sempre por perto e com atenção plena ao cumprimentar quem se aproxima. 

mulher com cachorra no colo posando para foto
Jeitinho Nereide de atender: informalidade, sorriso acolhedor e carinhoso

Enquanto me recebia com abraço, chimarrão a tiracolo e cafezinho, sentada em uma das inúmeras mesas de jantar da D’Angelis Mega Store, ela negociava a vinda de uma cafeteria para dentro da loja ao mesmo tempo que organizava uma festa de aniversário para a irmã. Foi o que eu precisei para entender que, de fato, Nereide não desassocia vida pessoal e profissional: uma versão só faz sentido com a outra. A empresa é reflexo da mulher, mãe e amiga. Para uma personalidade assim, não teria segmento melhor para se trabalhar, senão com produtos que proporcionam beleza, conforto e aconchego. Ela se transformou, junto com o marido, na energia que movimenta a D’Angelis Mega Store e a Anjos Colchões e Estofados, duas empresas do Oeste paranaense que são referência nacional no segmento. Dois impérios construídos com muita resiliência, numa trajetória cheia de lutos, renascimentos e fé. 

mulheres sorridentes posam para foto
Nereide e a irmã Cleide: presença da família é constante e fundamental

Móveis: amor de pai para filha 

Foi na infância simples e pacata do interior que Nereide recebeu as lições que moldaram seu caráter e seu perfil empreendedor. Era só uma menina querendo brincar enquanto os pais se viravam em diferentes atividades para alcançar o sustento da família, na cidade de Capitão Leônidas Marques. Mas todas as vivências da pequena Nereide estão muito presentes na Nereide adulta. 

Observando o pai trabalhar, ela começou a se encantar pelo universo dos móveis e das vendas. De agricultor, para guarda noturno, para empresário: o pai de Nereide se descobriu e se aprimorou na fabricação de camas, colchões e estofados.

“Como sou a filha mais velha, vivia mais com o meu pai, porque minha mãe cuidava da minha irmã mais nova. Então ele me levava para fazer vendas e entrega de móveis. E foi assim que comecei a gostar de vender, adorava ver os apertos de mão e as negociações”, lembra Nereide, narrando tudo com a clareza de detalhes de quem parece ter vivido isso ontem.

Ela não esquece, por exemplo, de como foi ensinada sobre o quanto custava ter acesso à diversão. “Com 12 anos, eu ia pra escola e à tarde ia pra loja do meu pai. Eu lembro que queria jogar vôlei, mas tinha que comprar o horário na quadra. Então eu trabalhava três horas para ganhar dinheiro para comprar as três horas de lazer, era sempre uma troca”.

A reviravolta adolescente

Enérgica, com os olhos brilhando pelas oportunidades da vida, Nereide passou pela inquietude da adolescência almejando mais do que o pequeno município de origem poderia proporcionar. Aos 15 anos, quis fazer o até então “2º grau” em Cascavel para poder viver também outras experiências. “Sonhava em dançar ballet e jazz. Era meu sonho ser bailarina”, recorda a empresária, com uma certa euforia no jeito de falar e gesticular, como se estivesse resgatando a empolgação adolescente enquanto lembrava da fase.

Foi uma etapa vivida com intensidade, de fato. Nereide dançou, fez datilografia, jogou basquete e… Namorou. Foi nessa época que ela conheceu o amor de uma vida toda: Claudinei dos Anjos. E a rotina de estudante em Cascavel ganhou esse encantamento a mais: enquanto ela estudava e ele servia no exército, alimentavam ali uma relação que mal sabiam que seria tão transformadora para o futuro dos dois. 

“Só que eu não me dediquei aos estudos. Reprovei no 1º ano e voltei para Capitão. E voltei com aquela gana de ser melhor. Então estudava sempre para tirar 10. Matemática, Física e Química eu dominava, porque eu tinha reprovado por causa dessas três matérias, então queria muito recuperar. Era muito focada em números”. 

A primeira grande quebra de expectativa aconteceu aí: Nereide vislumbrou um futuro em Cascavel e teve que dar meia volta, retornar para Capitão. E quando realinhava os estudos, veio outro grande acontecimento norteador de todo o caminho: aos 16 anos, ela estava grávida. “Foi muito difícil contar para os meus pais, fui conversar com um padre, pedir aconselhamento. Decidimos nos casar e casei grávida de quatro meses, em 2 julho de 1988”. 

“Filhos costumam parir grandes empreendedoras”

Essa frase diz muito sobre o que aconteceu na história de Nereide depois da gravidez. Ao se tornarem pais tão cedo, ela e o marido Claudinei precisaram antecipar planos que ainda nem existiam e o instinto empreendedor, inicialmente tímido, aflorou mais rápido. Tinham que se virar agora para sustentar a família que acabava de se formar. 

“Nossa filha Lauren nasceu em 30 de novembro de 1988 e esse foi um ano de muitas reviravoltas na nossa vida. Do que a gente iria viver? Meu pai tinha loja de móveis, o meu sogro tinha caminhões e transportava cereais e nós vivíamos numa cidade pequena. Foi então que meu sogro, uma pessoa muito influente, decidiu lançar o Claudinei como vereador e ele se elegeu. Eu já trabalhava com meu pai como vendedora e meu marido também começou a trabalhar na loja de móveis, então nós acabamos nos envolvendo e nos encantando com esse universo, que é fácil de se apaixonar porque tem novidades sempre”.

A  loja de móveis de Capitão se transformou em inspiração para um grande negócio que, anos depois, ganhou o Brasil: a Anjos Colchões e Estofados. “Meu marido foi para um evento em Curitiba e fez uma pergunta para o palestrante: como numa cidade de 15 mil habitantes podemos gerar mais emprego? E a resposta foi: através de indústrias. E ele instigou meu marido a empreender. Claudinei veio com a indústria de estofados na cabeça, mas nem meu pai e nem meu sogro queriam ser sócios. Meu sogro disse: ‘meu filho, esse sofá faz 15 anos que sua mãe tem, ela vai reformar e vai ficar mais 10 anos. Você vai vender para quem?’. E meu marido respondeu: ‘pai, mas eu não estou pensando aqui, eu vou vender para o Brasil’. Eu não tinha o que perder, eu tinha que arriscar. Nós dois colocamos todas as fichas”, recapitula Nereide, sempre com voz doce e carregada de admiração quando fala do marido.

O empurrão da vida e os exemplos empreendedores que o casal já havia tido os fizeram estar a frente de um negócio ainda muito jovens. “Eu colocava muita força pra vender. Nosso primeiro sofá a gente vendeu a troco de quatro bezerros (rs). Foi dando certo, alavancando as vendas, e meu pai resolveu vender a loja e conseguimos comprá-la. Então, aos 18 anos eu já tinha meu negócio. Trabalhava muito. Das 7h às 19h. Aos 20 anos, eu já tinha meu segundo filho Leonardo e fui conciliando os negócios e a maternidade. Trouxe gente para me ajudar, a indústria foi crescendo. Nessa época, viajávamos muito para São Paulo e eu tive que desmamar meu filho com seis meses para poder viajar. Mas eu não tinha medo de encarar os desafios, nem meu marido. E as pessoas gostavam muito do meu jeito de atender, porque eu peguei muito a simplicidade da minha mãe e a ousadia do meu pai”.

É essa mesma característica, não só preservada, como refinada ao longo dos anos, que faz Nereide ser tão conhecida, requisitada e admirada até hoje. O carisma, o jeito acolhedor e caprichoso de receber e atender fazem dela uma figura muito agradável de ter por perto, seja como líder, cliente, fornecedora ou como ombro amigo.

nereide dos anjos contempla livro

Recomeços

Desde sempre, a vida exigiu que Nereide e a família aprendessem a lidar com recomeços. Episódios marcantes fizeram a palavra renascimento ganhar um sentido prático. Foi preciso renascer quando a fábrica de estofados pegou fogo em Capitão Leônidas Marques, em 1999, e 60% da empresa foi perdida. O prejuízo, no entanto, foi mola propulsora para um avanço: foi ali que, para diversificar os produtos, a família decidiu fabricar também colchões, dando outra dimensão para o negócio. 

Também foi preciso recomeçar uma nova rotina quando um sonho da filha falou mais alto: muito parecida com a mãe nos desejos e ambições, Lauren também quis viver uma juventude cercada de mais possibilidades e foi essa motivação que fez os pais deixarem uma vida já bem estabelecida em Capitão para, mais uma vez, colocarem Cascavel na rota. Era uma mudança impensável na época, mas percebendo na filha um pouco da Nereide adolescente, foi impossível não compreender.

A mudança de cidade ampliou horizontes para a família toda. Foi também com inspiração e muito envolvimento da filha, que em 2003, Nereide inaugurou a loja que iria revolucionar o conceito de móveis em Cascavel: a D’Angelis. “Foi uma época de muito trabalho. Trabalhava muito entre Capitão e Cascavel. Estudei e viajei bastante buscando novidades para o negócio”. 

O anjo dos Anjos

2009 começou como um ano muito feliz, cheio de realizações, como a reinauguração da D’Angelis em um espaço muito maior, e terminou com o episódio mais trágico e triste da vida de Nereide: a perda da filha. Em um acidente grave entre Cascavel e Capitão, Lauren não resistiu e morreu. Ainda muito jovem, fazendo faculdade… Uma fatalidade que inverteu a “ordem natural da vida” e mexeu intensamente com a família. Foram anos de luto tentando entender o acontecimento. Lauren se tornou o anjo dos Anjos e, nessa partida, fez a mãe aprimorar ainda mais a relação com Deus.

Numa incessante busca por respostas, Nereide embarcou com a família para Jerusalém. Hoje, olhando em retrospectiva, ela entende que a viagem foi essa resposta e até deu um título à ela: “comer, rezar e amar”. Foram dias em que foi possível  ressignificar a perda, alimentar a fé, comer com prazer, liberar novamente o riso, revigorar a esperança na vida e amar intensamente.

“Fui até Veneza e tive a oportunidade de conversar com o Frei Gabriel Ângelo e perguntei: ‘o senhor acha que ainda posso engravidar?’. Ele olhou para o céu e disse: ‘Sim, filha, você já está abençoada’”, recorda.

O retorno para casa foi assim: com a intuição de que essa era uma intervenção divina. E foi: logo, Nereide e Claudinei descobriram que a viagem tinha rendido frutos e o terceiro filho estava a caminho: “Fui presenteada com a vida do Francisco quando eu já não acreditava que podia engravidar, aos 38 anos. Como não ter fé depois de pedir para Deus te ajudar e te reerguer e ser atendida dessa forma?”. 

Nereide: dor convertida em afeto

Todas as provações da vida de Nereide ao mesmo tempo que não interferiram nos negócios, foram também episódios indissociáveis da rotina das empresas. Para todos esses momentos, ela teve apoio da família, da comunidade e de uma equipe muito bem formada. Isso permitiu que o lado empresarial continuasse fluindo, ainda que ela estivesse se redescobrindo na vida pessoal. E justamente por ser tão transparente, espontânea e aberta, Nereide nunca conseguiu olhar para os clientes, colaboradores e fornecedores só com olhos formais focados em negócios: sempre enxergou as pessoas e suas individualidades. 

As dores do caminho foram importantes para isso também: ela que já era acolhedora, foi muito acolhida nos momentos difíceis e isso a tornou ainda mais empática. Ao te atender, vai ser difícil Nereide se apegar só às preferências de tecido e cor do sofá ou ao material ideal da mesa. Ela vai considerar também a sua história. Sabedora de que os produtos que vende ganham vida em lares, ela tem consciência de que ali estão mais do que móveis, estão elementos que vão acompanhar famílias por gerações.

É por isso que no dia dessa entrevista, apesar de muito concentrada em responder às perguntas, Nereide também se dividiu para receber uma cliente e amiga que tinha fotos do filho para mostrar, atendeu fornecedores de longa data que precisavam da opinião dela, tomou um chimarrão com uma tia que faz salgados, enquanto ajeitava uma mesa com bolo e balões para celebrar o aniversário da irmã. Entendi ali o sucesso da empresa: Nereide faz da D’Angelis uma extensão da casa dela para que todos vejam, na prática, que a decoração de um lar, para além de móveis e objetos, só se faz com gente: de carne, osso e alma.

 

 


A reportagem com a empresária Nereide dos Anjos é a última de quatro histórias inspiradoras que você vai conferir no Página Laranjas durante uma série especial em homenagem ao mês das mulheres. Até o fim de março, os textos do nosso blog serão focados nessas figuras tão emblemáticas do Oeste Paranaense: mulheres talentosas, corajosas e autênticas que fazem nossa região ser conhecida Brasil afora.

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